domingo, 23 de novembro de 2008

Agendar a Vida

Abro uma página da minha agenda pra demarcar mais uma vez o território da minha liberdade e dos meus deveres.
Logo vejo uma infinidade de mesas e escrivaninhas, cada uma com sua agenda, nelas a floresta dos compromissos, mal assombrando alguma trilha estreita pra andar e respirar.
(Nas folhas dessa minha atual floresta, quero abrir entrelinhas pra contemplar a árvore em flor diante de minha janela, ou me aconchegar nos braços da pessoa que povoa meus pensamentos!).
Vejo também agendas quase vazias onde se procura melancolicamente algo pra quebrar o sem-sentido da vida: nem uma visita, nem data de aniversário, nenhum afeto nomeado. Nem uma miragem ao longe?
Pessoalmente não vivo sem um bloco de papel. Às vezes olhar aquela folhinha rabiscada me dá alegria: um encontro bom, ou um dia só pra mim.
Agenda pode ser tormento e prisão. Mas pode ser liberdade, se a gente inventar brechas: em plena tarde da semana, caminhar na calçada; sentar ao sol na varanda; deitar na grama do parque ou jardim, por menor que ele seja, e como criança olhar as nuvens interpretando suas formas: camelo, coelho, avião, anjo... Ou então: quinze minutos pra se recostar pra trás na cadeira e espiar o céu pela janela; ir até a sala, esticar-se no sofá com as pernas em cima do braço do próprio, e ouvir música, ver televisão, ler, ler, ler... Ou simplesmente não fazer nada.
O ócio é uma possibilidade infinita a ser explorada.
Não falo da inércia, do desânimo. Jamais ficar de pijama e pantufas pela casa até o meio da tarde.
Falo de viver.
"Parar, olhar, escutar", diz um aviso de trem numa estrada.
A vida há de rolar por cima da gente, reduzindo a poeirinha inútil de quem se esquece de às vezes para pra pensar... Mas sem se desmontar; olhar em torno ou pra dentro; paisagens belas ou áridas (sempre há pra plantar um capim) ou quem sabe coloridas (a alma pode brincar de esconde-esconde entre as folhas). E escutar: a música do universo, o canto dos pássaros; a risada de uma criança; enfim, o chamado da vida que nos convoca de mil formas: anda, sai, viveee!!